Ginjal — estranha margem abençoada

Foto de Ricardo Nogueira Mendes de ZONA por João Garcia Miguel & OLHO | 1999 

A reviver o Passado no Ginjal 1995 | 2003 — email aberto para o Edgar Pera


Ginjal abençoada terra de estranhos


Caíram-me por detrás dos olhos os momentos extraordinários que vivemos naquela época e os momentos extraordinários que vivemos hoje. Temos sorte de ser parte de tempos que marcam passagens de um lado para outro — deslocam-nos e nem damos conta somos levados na corrente. Como naquele dia em que lançámos tudo ao Tejo lembras-te? Ainda hoje choro esses dias, mas agora com um ligeiro sorriso já entre a boca e os olhos a surgir. Já passou a dor. Mantenho a emoção viva cá dentro como um animal pronto a saltar. Gostei muito mesmo de viver aquele tempo — tenho um amor fraterno um sol que me anima de ver as pessoas felizes e loucas a quererem fazer e dizer coisas. Tantas coisas que não cabiam no rio. Abençoado Ginjal terra de estranhos africanos que por ali passaram e devem estar enterrados a puxar-nos pelas mangas das camisolas para que lhes déssemos de novo vida. A vida ali é forte como a montanha, a falésia que a suporte detrás. Tudo retorna por muita força que se faça para fechar a porta e esta época de maravilha têm-no feito: fechado portas. O rio tinha tantos brilhos como lágrimas e risos. Oferecíamo-nos uns aos outros de mãos dadas a vencer o medo de existir. O musgo, o bolor a humidade, as rachas nas paredes, as ruínas, nós a cair e depois e sempre o rio e o frio imenso. Mas no fim sempre o sol vinha essa luz de fogo que nos invade e afoga em beleza — sempre tanta beleza branca e negra. Às cores também! A travessia! Quantas vezes atravessámos a ponte? O rio? O barco? A vida? Quantas vezes chamamos outros para a travessia connosco? Abençoado Ginjal tão próximo de tudo — centro de uma estrela — a um passo de África, fronteira de Lisboa, a um voo de Berlim, ligação directa para o Porto. Amei muito nesse tempo. Tive um OLHO nas mãos, outro no coração, um olho fechado e outro aberto. Tive um Olho que Deus me deu. Tenho ainda esse Olho comigo num lugar secreto hoje já muito menos secreto diga-se. Sou feito de lágrimas que abrem a minha dor e choro com tanta alegria meus irmãos. Amo-vos tanto como um bebé recém-nascido que traz nele uma Lei. A Lei da Grande Criança. A Lei da Criança está em todo o lado. É a luz que tem dentro um fogo, à espera de se transformar em árvores, em flores, em rosas. À espera de queimar os olhos e encher o mundo de sombras. Porque é que o mundo é feito de fogo e sombras? Abençoada terra estranha em que vivemos.

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